Estava lembrando.
Uso computadores desde o ano de
1991.
Dá pra acreditar?
Passei por computadores de tela
verde, azul, daqueles que não tinham memória só uma “vaga lembrança” (piada
velha...).
E passei por coisas como uma “internet” pré-histórica chamada “BBS”... Você ligava, via modem, para o
computador do cara e tinha acesso a coisas fantásticas, como foto de mulher
pelada, que só levavam uns 78 minutos para serem baixadas para o seu
computador!!! Cada uma!!!
Vi a coisa evoluir para a
internet que conhecemos.
Quem ainda se lembra do ICQ?
Ou do Orkut?
Só sei que hoje, a moda é o
WHATSAPP.
QUE NÃO É USADO EM COMPUTADOR!!!
Você instala o “aplicativo” (não se fala em “programa”...) no seu smartphone (não é
mais celular...) e manda mensagens para pessoas que tenham o mesmo “aplicativo” instalado.
Bom, só sei que o meu irmão, o
Sérgio, criou um “grupo” no tal do “aplicativo”, e passamos a trocar
mensagens com a família quase toda.
No primeiro dia, foi uma febre.
Mas, como toda febre, foi
cedendo, cedendo e, hoje, está em estado de quase letargia total...
Mas, enfim.
O Sérgio, talvez incentivado pela
sua própria criação, acabou fazendo um texto, falando sobre essa nossa
comunicação digital.
E é este.
...........................
O ESCRITOR
Coincidentemente,
a mudança começou quando ele saiu da casa dos pais e foi morar sozinho, no início
do anos 90. Não era um ato de rebeldia, nem de libertação. Muito longe disso.
Ele não se importava em morar com os pais. Como ele sempre foi um rapaz ajuizado,
nunca brigavam com ele. Não tinham motivo. E, de qualquer forma, os pais não
conversavam muito sobre nada, mesmo. Eram quietos. Nas refeições em família quase
só se ouvia o barulho dos talheres encontrando os pratos.
A irmã mais
velha, ela sim, abandonou o lar por não suportar toda aquela irritante paz.
Gostava de agito. Saiu batendo a porta, reclamando da falta de calor humano:
- Um briga de vez em quando é necessária, poxa!
– foram as suas últimas palavras ouvidas por alguém da família até hoje.
Ele, não. Ele,
o caçula temporão, puxou aos pais e nunca se incomodou com aquela rotina. Dizer
que gostava é um pouco demais. Mas tinha se habituado e não fazia a menor
questão de mudanças. Foi morar sozinho apenas pra ficar perto do trabalho novo.
Não aguentava mais aquela confusão de ônibus-metrô. Era muita gente. Ele queria
ir a pé. E sozinho.
Por
temperamento, nunca foi popular na escola ou no trabalho. Mas também não era
aquela pessoa que se transforma no alvo predileto dos praticantes de bullyng.
Passava sempre com a nota média. Era inteligente, mas não se esforçava, um
pouco por preguiça, um pouco para não se destacar. Tímido, ficava quieto, no
canto. Passava despercebido. De todos. Sempre.
Na faculdade
chegou a ter dois amigos leais. Conversavam pouco, mas eram parceiros na
reflexão. Os outros brincavam dizendo que eles se comunicavam por telepatia.
Mas o tempo os separou. Ele perdeu totalmente o contato. E se fosse perguntado
hoje, não saberia dizer qual era a afinidade que os unia. Talvez nem seus
nomes.
Com as
mulheres o acanhamento ainda era maior. Nunca namorou. Nunca nem tentou.
No trabalho, a
culpa nem era tanto dele. O ritmo alucinado e competitivo em que todos
trabalhavam impedia qualquer tipo de intimidade. Nunca fez amigos. Mas tem
quase certeza de que ali nunca ninguém fez.
Assim, com
toda essa bagagem, morar sozinho não representou quase nenhuma ruptura em sua
vida. No começo, sentia falta da comida da sua mãe. Mas passou rápido. Sua nova
casa era localizada em uma região especialmente coberta por restaurantes que
faziam delivery. Descobriu assim, também, uma função para o telefone recém
instalado. Que foi útil até a chegada dos aplicativos para o seu smartphone...
O que realmente
mudou a sua vida foi a chegada da internet. Na época, ainda discada. E, junto
com ela, as salas de bate papo. Parêntese: Essa foi a coincidência mencionada
lá em cima, logo na primeira palavra.
Pois bem. Subitamente,
descobriu-se um grande criador de personagens e vidas. Escolhia alguma moça,
clicava na opção “reservado”, e iniciava uma conversa com o indefectível: “Quer
teclar?”.
Viciou. Todo
dia assumia uma identidade diferente. Inventava aventuras vividas. Forjava
tragédias sofridas. Transformava-se em uma pessoa interessante, cheia de
histórias pra contar. E, como fazia isso muito bem, convencia. Protegido pela virtualidade,
era uma pessoa comunicativa, engraçada, cativante. Apaixonante, até.
A cada dia
passava mais tempo na frente do computador, fabricando personalidades.
Seus pais, já idosos,
morreram num mesmo ano. A mãe, em fevereiro. O pai, em outubro. Verdadeiramente
triste pela perda, sentiu-se ao menos recompensado pelo fim dos deslocamentos e
a possibilidade de mergulhar na sua usina de criação também nos finais de
semana.
No ano
seguinte, conseguiu autorização para trabalhar em casa e enviar os relatórios
por e-mail. Sobrava mais tempo para aquilo que já estava virando uma arte.
Primeiro no
Orkut e, depois, com a chegada do Facebook, criou dezenas de perfis diferentes,
com personalidades e histórias próprias. Espantou-se, no começo, com a
facilidade em ser aceito como amigo de pessoas que nunca vira na vida. Mais
tarde, leu na internet que os brasileiros ficam sem graça em rejeitar pedidos
de amizade, ainda que não conheçam os solicitantes. Somando os vários perfis,
tinha uma rede de amizades gigantesca.
Todos perfis tinham seus respectivos Twitter,
nos quais distribuía frases de efeito. Tinham também Instagram, alimentados por
fotos caçadas no Google.
Vivia paixões
intensas. Vivia amizades profundas. Vivia até inimizades ferozes. Vivia, enfim.
E enfim vivia.
Entusiasmado
com seus posts, algum dos seus amigos, de algum dos perfis do Facebook, sugeriu
que escrevesse um blog.
Gostou da
ideia. Todo dia postava textos inspirados em uma das suas milhares de amizades
virtuais.
Um dia
escreveu um conto sobre um rapaz solitário, muito parecido com ele próprio, que
só se comunicava com o mundo exterior por meios digitais. A história era uma
espécie de crítica à escolha desse modo de vida isolado. O final tragicômico
contava que, na verdade, nenhuma das pessoas com quem o rapaz se comunicava
existia de verdade. Eram máquinas super inteligentes, programadas para dar a
resposta que ele desejava. Ao tomar conhecimento de que teria sido enganado, o
rapaz concluía filosoficamente:
- Eu também enganava as pobres máquinas.
Encantado por
esse texto, um editor o procurou. Sempre por e-mail, acordaram o lançamento de
um livro. Fez poucas exigências: a) uso de pseudônimo e sigilo total de sua
identidade verdadeira; b) lançamento apenas em e-book; c) sem noite de autógrafos.
O sucesso foi
absoluto. Virou um best-seller. Ganhou prêmios. Mas nunca apareceu para recebê-los.
Tanto mistério
fez surgir nas redes sociais diversas teorias sobre o autor e sua identidade.
Muitas acreditam ser uma fraude até hoje. Talvez a soma de diversos autores
diferentes. Algum foragido da polícia. Ele mesmo, por um de seus perfis, criou
e alimentou algumas dessas teorias.
Virou uma
lenda.
Rico, foi
morar em uma ilha deserta. Mas sua casa é equipada com a última geração da
comunicação virtual.
Tomou coragem,
permitiu-se um encontro e se casou com uma sósia de Sean Young. Era sua amiga
em algum perfil no Facebook.
Ela é estéril.
Mas gosta de navegar com ele nas tardes de sol.
....................
E é isso.
Seria meio “autobiográfico”?
Enfim, conversemos.
Ainda que de maneira virtual.
Respondendo a sua pergunta, Mauro: É, em parte, autobiográfico. E, em parte, apenas biográfico...
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