quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

NÃO SOU SÓ EU QUE ESCREVO




Estava lembrando.
Uso computadores desde o ano de 1991.
Dá pra acreditar?

Passei por computadores de tela verde, azul, daqueles que não tinham memória só uma “vaga lembrança” (piada velha...).

E passei por coisas como uma “internet” pré-histórica chamada “BBS”... Você ligava, via modem, para o computador do cara e tinha acesso a coisas fantásticas, como foto de mulher pelada, que só levavam uns 78 minutos para serem baixadas para o seu computador!!! Cada uma!!!

Vi a coisa evoluir para a internet que conhecemos.
Quem ainda se lembra do ICQ?
Ou do Orkut?

Só sei que hoje, a moda é o WHATSAPP.
QUE NÃO É USADO EM COMPUTADOR!!!

Você instala o “aplicativo” (não se fala em “programa”...) no seu smartphone (não é mais celular...) e manda mensagens para pessoas que tenham o mesmo “aplicativo” instalado.

Bom, só sei que o meu irmão, o Sérgio, criou um “grupo” no tal do “aplicativo”, e passamos a trocar mensagens com a família quase toda.
No primeiro dia, foi uma febre.
Mas, como toda febre, foi cedendo, cedendo e, hoje, está em estado de quase letargia total...

Mas, enfim.
O Sérgio, talvez incentivado pela sua própria criação, acabou fazendo um texto, falando sobre essa nossa comunicação digital.

E é este.

...........................

O ESCRITOR

Coincidentemente, a mudança começou quando ele saiu da casa dos pais e foi morar sozinho, no início do anos 90. Não era um ato de rebeldia, nem de libertação. Muito longe disso. Ele não se importava em morar com os pais. Como ele sempre foi um rapaz ajuizado, nunca brigavam com ele. Não tinham motivo. E, de qualquer forma, os pais não conversavam muito sobre nada, mesmo. Eram quietos. Nas refeições em família quase só se ouvia o barulho dos talheres encontrando os pratos.  
A irmã mais velha, ela sim, abandonou o lar por não suportar toda aquela irritante paz. Gostava de agito. Saiu batendo a porta, reclamando da falta de calor humano:
- Um briga de vez em quando é necessária, poxa! – foram as suas últimas palavras ouvidas por alguém da família até hoje.   
Ele, não. Ele, o caçula temporão, puxou aos pais e nunca se incomodou com aquela rotina. Dizer que gostava é um pouco demais. Mas tinha se habituado e não fazia a menor questão de mudanças. Foi morar sozinho apenas pra ficar perto do trabalho novo. Não aguentava mais aquela confusão de ônibus-metrô. Era muita gente. Ele queria ir a pé. E sozinho.  
Por temperamento, nunca foi popular na escola ou no trabalho. Mas também não era aquela pessoa que se transforma no alvo predileto dos praticantes de bullyng. Passava sempre com a nota média. Era inteligente, mas não se esforçava, um pouco por preguiça, um pouco para não se destacar. Tímido, ficava quieto, no canto. Passava despercebido. De todos. Sempre.
Na faculdade chegou a ter dois amigos leais. Conversavam pouco, mas eram parceiros na reflexão. Os outros brincavam dizendo que eles se comunicavam por telepatia. Mas o tempo os separou. Ele perdeu totalmente o contato. E se fosse perguntado hoje, não saberia dizer qual era a afinidade que os unia. Talvez nem seus nomes.
Com as mulheres o acanhamento ainda era maior. Nunca namorou. Nunca nem tentou.
No trabalho, a culpa nem era tanto dele. O ritmo alucinado e competitivo em que todos trabalhavam impedia qualquer tipo de intimidade. Nunca fez amigos. Mas tem quase certeza de que ali nunca ninguém fez.
Assim, com toda essa bagagem, morar sozinho não representou quase nenhuma ruptura em sua vida. No começo, sentia falta da comida da sua mãe. Mas passou rápido. Sua nova casa era localizada em uma região especialmente coberta por restaurantes que faziam delivery. Descobriu assim, também, uma função para o telefone recém instalado. Que foi útil até a chegada dos aplicativos para o seu smartphone...
O que realmente mudou a sua vida foi a chegada da internet. Na época, ainda discada. E, junto com ela, as salas de bate papo. Parêntese: Essa foi a coincidência mencionada lá em cima, logo na primeira palavra.
Pois bem. Subitamente, descobriu-se um grande criador de personagens e vidas. Escolhia alguma moça, clicava na opção “reservado”, e iniciava uma conversa com o indefectível: “Quer teclar?”.
Viciou. Todo dia assumia uma identidade diferente. Inventava aventuras vividas. Forjava tragédias sofridas. Transformava-se em uma pessoa interessante, cheia de histórias pra contar. E, como fazia isso muito bem, convencia. Protegido pela virtualidade, era uma pessoa comunicativa, engraçada, cativante. Apaixonante, até.
A cada dia passava mais tempo na frente do computador, fabricando personalidades.
Seus pais, já idosos, morreram num mesmo ano. A mãe, em fevereiro. O pai, em outubro. Verdadeiramente triste pela perda, sentiu-se ao menos recompensado pelo fim dos deslocamentos e a possibilidade de mergulhar na sua usina de criação também nos finais de semana.    
No ano seguinte, conseguiu autorização para trabalhar em casa e enviar os relatórios por e-mail. Sobrava mais tempo para aquilo que já estava virando uma arte.
Primeiro no Orkut e, depois, com a chegada do Facebook, criou dezenas de perfis diferentes, com personalidades e histórias próprias. Espantou-se, no começo, com a facilidade em ser aceito como amigo de pessoas que nunca vira na vida. Mais tarde, leu na internet que os brasileiros ficam sem graça em rejeitar pedidos de amizade, ainda que não conheçam os solicitantes. Somando os vários perfis, tinha uma rede de amizades gigantesca.
   Todos perfis tinham seus respectivos Twitter, nos quais distribuía frases de efeito. Tinham também Instagram, alimentados por fotos caçadas no Google.
Vivia paixões intensas. Vivia amizades profundas. Vivia até inimizades ferozes. Vivia, enfim. E enfim vivia.
Entusiasmado com seus posts, algum dos seus amigos, de algum dos perfis do Facebook, sugeriu que escrevesse um blog.
Gostou da ideia. Todo dia postava textos inspirados em uma das suas milhares de amizades virtuais.
Um dia escreveu um conto sobre um rapaz solitário, muito parecido com ele próprio, que só se comunicava com o mundo exterior por meios digitais. A história era uma espécie de crítica à escolha desse modo de vida isolado. O final tragicômico contava que, na verdade, nenhuma das pessoas com quem o rapaz se comunicava existia de verdade. Eram máquinas super inteligentes, programadas para dar a resposta que ele desejava. Ao tomar conhecimento de que teria sido enganado, o rapaz concluía filosoficamente:
- Eu também enganava as pobres máquinas.
Encantado por esse texto, um editor o procurou. Sempre por e-mail, acordaram o lançamento de um livro. Fez poucas exigências: a) uso de pseudônimo e sigilo total de sua identidade verdadeira; b) lançamento apenas em e-book; c) sem noite de autógrafos.
O sucesso foi absoluto. Virou um best-seller. Ganhou prêmios. Mas nunca apareceu para recebê-los.
Tanto mistério fez surgir nas redes sociais diversas teorias sobre o autor e sua identidade. Muitas acreditam ser uma fraude até hoje. Talvez a soma de diversos autores diferentes. Algum foragido da polícia. Ele mesmo, por um de seus perfis, criou e alimentou algumas dessas teorias.
Virou uma lenda.
Rico, foi morar em uma ilha deserta. Mas sua casa é equipada com a última geração da comunicação virtual.
Tomou coragem, permitiu-se um encontro e se casou com uma sósia de Sean Young. Era sua amiga em algum perfil no Facebook.
Ela é estéril. Mas gosta de navegar com ele nas tardes de sol. 

....................

E é isso.
Seria meio “autobiográfico”?

Enfim, conversemos.

Ainda que de maneira virtual.

Um comentário:

  1. Respondendo a sua pergunta, Mauro: É, em parte, autobiográfico. E, em parte, apenas biográfico...

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