quarta-feira, 12 de novembro de 2014

DA SÉRIE "COMO EU GOSTARIA DE TER ESCRITO ISSO"...



FRANCISCO DAUDT, 
no jornal "Folha de São Paulo" de hoje.



BURGUÊS E CONSERVADOR



"Mas ele te chamou de nigger lover" (algo como "pessoa que gosta de crioulo", um insulto brutal para um branco no sul dos Estados Unidos, sobretudo na década de 1930, quando se passa a cena), disse Scout a seu pai, Atticus Finch (o pai mais sábio que encontrei na literatura, personagem de "To Kill a Mockingbird" –"O Sol é para Todos"–, de Harper Lee, 1960).

"Minha filha, você não deve se insultar quando o que te dizem não contém mal algum. Claro que seu pai gosta de negros, assim como de brancos ou de qualquer outra pessoa que mereça ser gostada."

Lembrei-me dessa passagem linda durante essa campanha eleitoral em que ouvi um chorrilho de adjetivos à guisa de argumentação ("Desconfie de uma discussão sem substantivos -ensinei a meus filhos -, pois não estarão querendo te convencer, e sim te derrubar").

Entre eles, "burguês e conservador" foram destaque. Com o ensinamento de Atticus Finch em mente, não é que constatei que, de fato, sou burguês e conservador? As pessoas se esquecem do que é um burguês, já ouvem como palavrão.

Quando o feudalismo imperava, alguns servos do senhor começaram uma atividade artesanal paralela a sua faina lavradora. Ora cardavam lã, ora trabalhavam em madeira, fato é que mercavam seus produtos de maneira crescente, com seus ganhos tornavam-se independentes do senhor feudal, mudavam-se para os arrabaldes das muralhas, num vilarejo que era chamado de burgo, virando assim... burgueses.

Então o burguês foi o herói que se tornou, através do mercantilismo, cidadão (burgo é o mesmo que cidade) independente.

Várias revoluções de independência foram feitas por burgueses. A americana rebelou-se contra os impostos pagos à coroa inglesa. A francesa concitava "aux armes, citoyens" ("às armas, cidadãos"). A própria revolução russa foi burguesa, em fevereiro de 1917, tendo acabado com a tirania do czar e posto Kerensky como primeiro-ministro, até que os bolcheviques tomassem o poder, no outubro seguinte. Foi essa última que ficou na história como "a" revolução russa. A burguesa caiu no esquecimento.

O burguês é o indivíduo, o que se distingue da massa e pensa por conta própria, é o que não aceita tirania, é o pilar da democracia.

Conservador é aquele que conserva. Mas conserva o quê? Como indivíduo independente, a primeira coisa que ele quer conservar é sua independência, sua liberdade, seu direito de expressão, sua vontade de ser regido por leis democráticas, quer isonomia (regras iguais para todos), quer estabilidade na economia ("as regras da casa", em grego).

Como cidadão, quer conservar valores éticos (algo simples como não causar dano –exceto em legítima defesa– e fazer o bem), não quer sua casa ou sua privacidade invadidas pelo Estado (seja ele um senhor feudal, um tirano ou um partido cleptocrata).

Ele é contra o progresso? O quê?! Um progresso que facilite sua individualidade e cidadania é superbem-vindo. Sem a internet, não haveria a lei da ficha limpa. Adoro a genética barateando alimentos e saúde. E um transporte público que respeite cidadãos.

Conservador e burguês, sim, mas acima de tudo com honradez de caráter.





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Já contei neste humilde blog que, nos tempos de faculdade, eu era chamado de "burguês", por estar estudando.

Depois de ter feito (e ter sido aprovado) um dos CONCURSOS PÚBLICOS MAIS DIFÍCEIS deste país (aberto a qualquer um!!! é só prestar!!!), passei a ser chamado de "marajá".

Pelos mesmos que, hoje em dia, comandam este país.

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