domingo, 20 de junho de 2010

É DE FAMILIA.


Sempre digo que o mundo precisa de mais gênios humildes como eu...
Por sorte, inteligência, cultura, beleza, talento e humildade são atributos genéticos, passando para todos os familiares!!!
Olha a crônica que meu irmão, o Sérgio Eduardo, fez para a filha levar pra escola.
Que me desculpem os “
antas”, mas inteligência é fundamental...
E a humanidade ainda tem alguma chance, com a gente por aqui.



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Superstições


- Não é possível! Alguma você tem, Alencar!
- Não-te-nho! - Respondeu, separando as sílabas. E bateu copo na mesa, como que para acabar com a discussão.
A perplexidade geral fazia sentido. Afinal, todo mundo tem uma mania ou uma superstição no futebol. E a Copa do Mundo despertava ainda mais o misticismo das pessoas. Até o Boris, ateu convicto, havia confessado beijar a medalhinha de São Jorge, que ainda criança ganhara da avó, antes do começo das partidas.
- Mal não faz, certo?
Certíssimo. Mal não faz mesmo. Mas o Alencar não se convencia.
- Pode não fazer mal, mas bem certamente também não faz. Então, por que se prestar a esse papel ridículo? Nelsinho, o poeta-boêmio da turma, argumentou.
- É como disse o Luis Fernando Veríssimo sobre o amor.
- Hã?!?
- Isso mesmo. Ele disse que o melhor do amor é o ridículo. Ora, se amamos de verdade a Seleção Brasileira somos ridículos mesmo!
E engatou a contar a crônica em que um ex-namorado espionava a amada embaixo da janela, quando ela acordou com o seu barulho. Para despistar, começou a latir atrás da árvore.
O argumento, segundo Alencar, era fraco. Mas a crônica era ótima, insistia Nelsinho.
Tudo havia começado antes mesmo da Copa, como uma espécie de concurso.
- Eu fico de costas na hora do pênalti – disse um.
- Eu faço o sinal da cruz a cada 15 minutos – gritou alguém.
- Não largo as fitinhas do Senhor do Bonfim – falou Ivete, a baiana do grupo.
- Eu sento sempre no mesmo lugar do sofá – confessou o Cláudio.
- Uso sempre a minha camisa da sorte, aquele modelo de 1958, lembram? – perguntou Seu Camilo, o decano da turma, para o sorriso respeitoso de todos.
- Eu não grito e odeio quem grita gol antes da hora. Isso aí dá zica! – sentenciou Chapa Quente, o líder de um grupo mais radical.
Chapa Quente, apesar de baixinho, tinha fama de truculento. Suas histórias eram aterrorizantes. Andava sempre com um gorro de lã enfiado na cabeça, independentemente da estação do ano. Ninguém nunca o vira brigar, mas era melhor não arriscar. Não deveria ser à toa que outros, muito maiores que ele, obedeciam todas as suas ordens.
Alencar deve ter se esquecido da fama de Chapa Quente quando perdeu a paciência.
- Tá certo. Ninguém deve gritar gol antes da hora porque é capaz do goleiro adversário, que estava distraído, pensando na namorada, ouvir, acordar e fazer a defesa! É isso?
Após o silêncio sepulcral que se fez no tempo em que Chapa Quente pensava em uma resposta, ouviu-se um aviso.
- Odeio porque odeio e pronto. Algum problema? Grita gol antes da hora na minha frente para você ver só!
Alencar virou o seu copo em um gole só emendou.
- Preciso ir ao banheiro!
O tempo foi passando e as manias variando.
- Quando o adversário ataca, tenho que falar: “mitocôndria dos eucariontes” – disse o esforçado vestibulando.
- Desejo “merda” a todos os que tiverem ao meu lado – falou a jovem atriz.
Mas nada convencia Alencar. Ele, um homem inteligente, estudado, com mestrado e doutorado, não poderia dar trela para essas crendices. Só acreditava nas coisas que poderiam ser cientificamente comprovadas.
Até que o Humberto se estressou com a empáfia de Alencar.
- Respeite a fé dos outros, Alencar!
- Não se trata de fé – disse Alencar.
E disparou o forte discurso que preparava há semanas.
- A verdade é que vocês são inseguros. Querem de alguma forma sentir-se importantes. Querem se enganar, inventando um protagonismo que não têm!
- “Prota” o que??!?
- Cala a boca, Zé Bigode. Deixa o “dotorzinho” falar – ordenou Seu Camilo.
- É isso mesmo! Pois saibam que o time não depende de vocês. Pode trocar de camiseta, Seu Castello, que só ganharemos se o time estiver bem. Pode esquecer as fitinhas, Ivete, que se o Kaká e o Robinho não fizerem gol não fará qualquer diferença. Pode esquecer essa sua mitocôndria, rapaz, que se o Júlio César frangar vamos perder!
Todos ficaram em silêncio. O Alencar tinha razão. Eram apenas torcedores. Sem qualquer importância. Suas manias eram bobagens. Depois que o Alencar saiu do bar com ar de vitorioso, Nelsinho quebrou o silêncio.
- Esquece isso moçada. O cara é um infeliz. Afinal, o mais bonito do amor é o ridículo. Vocês conhecem aquela crônica do Luis Fernando Veríssimo?
No dia seguinte o Brasil jogaria contra Portugal. Alencar procurava insistentemente a sua camisa azul da seleção. Sua mulher entrou no quarto.
- Por que não veste a amarela?
- Por que vesti no jogo passado.
- E daí?
- E daí que ganhamos, ué?!?
- Continuo sem entender.
- Querida, você sabe que eu odeio manias. Sou um cara estudado e não posso me submeter a essas crendices. Só acredito no que é cientificamente comprovado. Se eu colocar a mesma camisa, vai parecer que me preocupo com isso.
- Ué! Já que não se preocupa, veste qualquer uma. Veste a azul mesmo.
- Ta louca?!? Nunca repeti uma camisa depois de uma vitória. Vai que o Brasil perde...
- Esse seu amor pela seleção está levando a fazer coisas ridículas, Alencar!

2 comentários:

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